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2569/2570 -Fevereiro/Março de 2015

Editorial

General José Luiz Pinto Ramalho*

 

É uma realidade que hoje se vive na Europa uma preocupação securitária, decorrente de fenómenos bem definidos e bem distintos como sejam, por exemplo, o terrorismo e o fluxo massivo de migrantes que, por falta de respostas políticas e instrumentais se vão acumulando, quer junto às fronteiras nos países de trânsito quer nos de entrada, designadamente, na Grécia e na Turquia; se a primeira situação tem constituído uma preocupação com carácter permanente, a segunda tem-se avolumado face às hesitações quanto à efectiva resposta a dar, fruto das divergências dos diversos países europeus, quanto a uma solução para esta problemática.

Também no quadro internacional, apesar das crises e conflitos abertos disseminados geograficamente, vive-se uma conjuntura estratégica internacional em que o discurso político recusa a figura conflitual da “guerra”, embora reconheça as situações que põem em causa ou comprometem a “paz”, mas não mobiliza as opiniões públicas para a necessária resposta, para os riscos e ameaças potenciais e para as características da nova conflitualidade, seja o terrorismo, sejam as práticas do DAESH, sejam outros atores radicais e para os novos ambientes de aplicação da coacção, o espaço e o ciberespaço. Esse discurso fomenta a passividade dos cidadãos e a sua indiferença para com esses desafios, só reagindo, emocionalmente e em choque, quando conjunturalmente são atingidos por eles.

Esta constatação nada traz de novo, contudo, a abordagem conceptual da resposta no quadro estratégico, aconselha a que não se percam as referências doutrinárias e não se confundam conceitos como segurança e defesa, quer no seu conteúdo estratégico quer quando se particulariza a defesa militar e a segurança interna; ou, ainda como no caso desta última, quando é referida como segurança humana ou como da cidadania. Esta reflexão afigura-se pertinente, porque, recentemente, no final do mês de fevereiro, o jornal espanhol El País, referia numa sua edição, a propósito daqueles dois fenómenos, que “a Europa corta na defesa e gasta mais em segurança” e que a UE era sensível aos pedidos de uma flexibilidade orçamental, leia-se deficit, para ampliar a capacidade de resposta no domínio da protecção dos cidadãos.

O artigo prosseguia com uma análise da quebra dos gastos europeus nos orçamentos de defesa, em matéria de gastos militares, de 41%, entre 2011 e 2015, de acordo com o relatório do SIPRI de Estocolmo, publicado em fevereiro; os únicos investimentos registados foram aqueles que se dirigem ao combate ao terrorismo, ao reforço da capacidade das polícias e às políticas de inserção social e anti-radicalização da sociedade, designadamente em França e na Bélgica. Perante a anexação da Crimeia pela Rússia, assistiu-se, em 2014, a um reforço da capacidade militar dos Países Bálticos, através do auxílio americano, assim como a assinatura de um programa de modernização da defesa aérea a dez anos, por parte da Polónia, com os EUA.

A abordagem é estranha, afigura-se dicotómica, algo confusa, mas sobretudo ignora o carácter sistémico dos dois conceitos, a sua hierarquia e a inconveniência no estabelecimento de fronteiras rígidas; parece assim oportuno revisitar Clausewitz e a sua avaliação, de que a análise da forma como os Estados encaram a Guerra e se preparam para a combater se necessário, evidencia a génese da sua política de defesa e o seu compromisso quanto ao emprego dos instrumentos militares. Mais concretamente, a penetração do conceito amplo de Segurança, onde se inserem a Defesa Nacional, a Defesa Militar, as Polícias e as Organizações de protecção e socorro, como a Protecção Civil, Bombeiros e outras deste âmbito, por uma visão ideológica neo-liberal de mercado, que instalou uma perceção economicista no planeamento de defesa, designadamente, na adequação das capacidades militares às novas ameaças, privilegiando respostas imediatistas a realidades conjunturais e ignorando, desvalorizando ou protelando, de forma indefinida, desenvolvimentos ou a concretização de sistemas de armas estruturais, baseados em programas plurianuais, que exigem maiores investimentos ou, inclusive, a preferência pelo “outsourcing”em áreas de âmbito logístico, nas suas diversas funções, de manutenção, de transportes, da saúde, etc..

Esta visão introduz uma disfunção de percepções entre a política e a estratégia, designadamente, junto daqueles a quem cabe a responsabilidade de conduzir a estratégia operacional e, em última análise, combater. O predomínio das modalidades de instrumentos militares profissionalizados ou por contrato, decorrentes do fim do serviço militar obrigatório, agudiza esta problemática, porque a sociedade tende a desligar-se das opções que o poder político possa fazer no domínio do cometimento de forças militares em operações designadas de apoio à paz, porque isso é levado a cabo por uma pequena parte “especializada” da mesma, sendo muito mais sensível aos custos financeiros dessa decisão do que às motivações e implicações de uma participação nacional na segurança cooperativa.

O predomínio da visão economicista em matérias de Segurança e Defesa transforma os cidadãos nacionais, de agentes responsáveis e participantes nos objectivos da defesa nacional, disponíveis para a defesa da pátria, num conceito tradicional de elementos activos de uma eventual ”nação em armas”, em consumidores passivos de um “ambiente de segurança”, que o Estado, através de uma instituição, mais percebida como especializada do que nacional, deve providenciar.

Esta perceção e a ausência de uma adequada pedagogia política, esta última, por preconceito ideológico, indiferença ou despreocupação com a sua realidade, explica, quer a pouca atenção para com a problemática da defesa quer a incapacidade política para fazer compreender às opiniões públicas a necessidade dos gastos com a defesa e o tratamento diferenciado da Instituição Militar, fruto da condição militar dos seus servidores. Estamos assim perante um ambiente político e social que dificulta o planeamento de defesa, o emprego do instrumento militar e propicia um divórcio civil-militar.

Os militares que corporizam as forças nacionais destacadas, em operações militares fora do seu território nacional, sentem que essa responsabilidade cabe apenas a si próprios e interrogam-se se os seus compatriotas, em geral, e os seus conterrâneos, em particular, acompanham o que estão a fazer, conhecem os riscos que correm, a missão que cumprem e o porquê da mesma, incluindo a forma como serão vistos, aquando do seu regresso.

Julgo que se mantém atual e a merecer uma permanente reflexão político-militar, a frase escrita num placard, numa unidade militar no Afeganistão, no ambiente operacional que configurava a “guerra contra o terrorismo” e que referia “o nosso país não está em guerra; em guerra estão os militares que aqui cumprem missões operacionais; os nossos concidadãos fazem a sua vida normal junto das famílias e nos Centros Comerciais”. Não ter em conta sentimentos desta natureza, agudiza o divórcio civil-militar e aponta para a necessidade de um diálogo mais esclarecido e participado, como demonstra a experiência da última década, nas sociedades político-militares que têm servido de referência na Europa, entre líderes políticos e chefias militares, na definição das políticas de defesa e na ação estratégica que as concretizam.

* Presidente da Direção da Revista Militar.

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Resumo do Acervo Articular da Revista

fornecido pelos autores

 

1. Os Desafios da Transformação. A OTAN e o Novo Arco de Crises

Major-general Carlos Manuel Martins Branco

 

O artigo procura perceber se os instrumentos que a OTAN tem à sua disposição são os adequados para fazer face aos novos desafios identificados na Cimeira de Gales e que emergem do novo arco de crises que se tem vindo a desenvolver ao redor das fronteiras leste e sul da Aliança.

A OTAN dispõe de competências ímpares no âmbito da reforma do setor da defesa – já demonstradas em anteriores iniciativas –, podendo constituir um instrumento que, com as necessárias adaptações, tem um enorme potencial para serem empregues na lógica do novo arco de crises.

 

2. Combate aos jihadistas radicais: Quando um mau diagnóstico provoca soluções incompletas

Coronel Nuno Lemos Pires

 

O autor procura identificar, através de uma análise cronológica, as grandes linhas de radicalização que conduziram ao ambiente de medo e terror que afetam algumas zonas do mundo e que conhecemos, hoje, como jihadismo.

Assinala os caminhos para as soluções a adotar, dando especial atenção à dimensão do fenómeno religioso no mundo, às estratégias de atuação entre de aliados regionais e locais – através da complementaridade e coordenação entre segurança e defesa, e entre políticas sociais e desenvolvimento económico.

 

3. Soft Power ou Poder Suave – como pode ser usado em Moçambique

Coronel Rodrigues Lapucheque

 

O artigo “Soft Power ou Poder Suave – como pode ser usado em Moçambique” na defesa dos interesses vitais do estado, analisa a forma como este poder surge e se difunde, sua aceitação e aplicação no plano internacional, não só entre os governantes e políticos, como também por académicos e instituições da mais variada natureza.

Refere-se da importância e necessidade do seu uso, na atualidade e no futuro, na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais, com o fim último de substituir o uso do poder duro ou uso da força (militar) para defender determinados interesses, em regra, vitais dos estados, de per si responsável pela deterioração das relações entre estes, a nível regional e internacional, pelo surgimento de conflitos retaliatórios e ódios sem precedentes entre estados, estendendo-se até aos povos. Reporta as fontes do poder suave, sua aplicabilidade e importância nas sociedades modernas. Avalia o estádio em que Moçambique se encontra em relação à forma e ao aproveitamento do uso racional deste poder suave, recomendando a criação de condições para o seu uso inteligente, equilibrando entre o uso do poder duro (quando extremamente necessário) e o poder suave. Para este fim, recomenda-se ao Governo moçambicano que reequipe as suas Forças de Defesa e Segurança.

 

4. As Linhas de Torres, a construção europeia e a problemática dos refugiados

Tenente-Coronel Abílio Pires Lousada

 

Sendo Portugal um país periférico na Europa, qual o seu papel e o do seu povo no atual contexto em que os grandes problemas são comuns e para os quais se impõem grandes e sustentáveis soluções?

O artigo desenvolve a comunicação do autor proferida no âmbito do I Dia Nacional das Linhas de Torres Vedras, numa abordagem tripartida e feita numa base de complementaridade, assente num fio condutor analítico de e para as Linhas de Torres, passando pelos modelos de construção europeia e a atual problemática dos refugiados do Mediterrâneo.

 

5. Figuras da História: Joaquim José de Andrada Pinto (1812-1894), Vice-Almirante da Armada portuguesa

Mestre Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes

 

O artigo traça o perfil do Vice-almirante Joaquim José de Andrada Pinto, Comandante Geral da Armada, em 1885, o qual exerceu, ainda, cargos importantes junto dos reis portugueses D. Luis I e de seu filho, D. Carlos I.

 

6. Elementos de informação constantes dos capítulos das crónicas:

a) Crónicas Militares Nacionais:

  • A Força Aérea no apoio à população
  • Esquadra os “Lobos” participa na Operação Active Endeavour da OTAN
  • O Presidente da República visitou o Hospital das Forças Armadas
  • O Exército assinou protocolo com a Câmara Municipal de Monchique
  • Visita à Brigada Mecanizada da delegação de Cadetes da “ÉCOLE MILITAIRE INTERARMES”
  • Condecoração do Tenente-general Carlos Alberto de Carvalho dos Reis
  • Cerimónia de despedida do Presidente da República às Forças Armadas

b) Crónicas Bibliográficas:

  •  A Imprevidência Estratégica de Salazar: Timor, 1941 – Angola, 1961

Coronel Luís Alves de Fraga

 

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